AS BATALHAS DE ANTONY BEEVOR

Há inúmeros livros sobre o período da II Guerra Mundial, sob as mais diversas ópticas, desde a história do conflito até particularidades muito específicas a respeito dos comportamentos dos nazistas. Em uma pesquisa rápida, encontrei temas como “as mulheres de Hitler”, “a doutrina secreta dos nazistas”, “os filhos dos oficiais nazistas”, “o holocausto alemão”, “a numerologia e o nazismo”, além daqueles já sabidos como O papa de Hitler. Existe revisionismo histórico para todos os gostos. Um especialmente assustador é o que nega o Holocausto judeu afirmando que aquelas fotos de homens e mulheres esquálidos e famintos, as pilhas de cadáveres, as filas para as câmaras de gás não passaram de um recurso médico: os judeus estavam doentes e os nazistas construíram não campos de concentração, mas gigantescos hospitais a fim de salvar judeus [!]; as fotos não passam, assim, de manipulação dos Aliados para responsabilizar os pobres e inocentes nazistas… Chegam a culpar os aliados pelos bombardeios, que teriam assim interrompidos o abastecimento de remédios e comida fornecidos pelos nazistas. Há louco para tudo nesse mundo. O pior é encontrar ainda hoje, no Brasil, quem pense exatamente assim.

BEEVOR

Não é o caso de Antony Beevor. É historiador sério e profundo. Formado pelo Winchester College e pela Academia Militar de Sandhurst, considerado um dos mais importantes historiadores contemporâneos, discípulo de John Keegan [autor de Uma história da guerra, publicado no Brasil pela Companhia das Letras], Beevor tem obra vasta.

Além do A Segunda Guerra Mundial, obra abrangente sobre o confronto, é autor de uma série de livros que tocam em batalhas específicas: Stalingrado, A batalha de Espanha, A batalha de Creta, Berlim 1945 e agora esse A batalha das Ardenas. Ele tem outro livro curioso, esse sobre espionagem, O mistério de Olga Tchekhova, que trata da sobrinha-neta de Tchekhov, atriz e espiã russa na Alemanha nazista. É um ponto fora da curva de suas pesquisas, mas nem por isso é um mau livro.

A preocupação de Beevor não é o panorama dos conflitos, nem tentar encontrar sentidos outros que serviriam de pano de fundo aos problemas ideológicos entre o Eixo e os Aliados. Ele procura, em ampla documentação – cartas, notícias, mapas, gravações, depoimentos, documentos secretos da época – reconstituir cada movimento das batalhas que relata. São vivas – ou melhor,  vívidas – na medida em que, além de historiador bem fundamentado, Beevor é um escritor, qualidade rara entre os acadêmicos.

Stalingrado é uma leitura que nos enche de horror. O impacto que tive com esse livro só foi similar quando li Vida e Destino, de Vassíli Grossman, romance que retrata o período stalinista, justamente comparado com Guerra e Paz. No entanto, se o livro de Grossman choca pela perfídia ideológica na qual se baseia a narrativa, o livro de Beevor nos apavora pela crueza dos fatos descritos. Conseguimos acreditar em Grossman: literatura serve para isso, para nos convencer, a verossimilhança aristotélica; mas acreditamos em Beevor apenas por sabermos que tudo aquilo é a realidade, cada movimento de cada batalhão foi pensado para causar determinado efeito, acreditamos em Beevor porque sabemos o número de mortos em Stalingrado.

Berlim 1945 descreve os momentos finais da Alemanha nazista, Hitler neurótico preso em seu bunker emitindo ordens irrealizáveis. Há outra obra interessante sobre esse momento, No buker de Hitler, de Joachim Fest, também biógrafo do ditador, mas seu objeto é outro, complementar ao de Beevor: enquanto Fest analisa e descreve os movimentos internos no bunker, Beevor narra a aproximação do exército russo, rua a rua, casa a casa, até a derrocada final do nazismo.

A batalha de Espanha tem como objeto a Guerra Civil Espanhola [1936-1939], com a participação de agentes soviéticos e alemães. Foi um verdadeiro laboratório, um prelúdio à Segunda Guerra. Mais uma vez, a preocupação de Beevor é técnica. Não romantiza, não se preocupa em encontrar quem estaria com a razão. A História não se dá a isso, mas apenas à análise dos fatos. Comparando mais uma vez com a literatura, temos Por quem os sinos dobram, de Hemingway, que ressalta o heroísmo e o romance amargo da resistência comunista contra os fascistas de Franco. O capítulo sobre Guernica, em A batalha de Espanha é das coisas mais duras e tristes que já li.

Há alguns meses a editora Crítica lançou A batalha de Ardenas, último esforço de Hitler para reverter o quadro catastrófico que seu exército vivia: tendo perdido em Stalingrado, os russos avançando sobre Ucrânia, Polônia, Checoslováquia e aproximando-se de Berlim, ao mesmo tempo que o exército americano, junto com as forças britânicas e a resistência francesa [mais alguns soldados de De Gaulle], expulsa os nazistas de Paris, Hitler ordena que se defenda a linha Sigfried “até o último homem” e assim se garanta a reconquista de Paris. Além dos movimentos das tropas e dos planos de ação dos exércitos, Beevor relata os conflitos internos entre os comandos dos diversos exércitos aliados.

É uma série de livros fundamentais para quem tem interesse na II Guerra Mundial. Não se lê de uma tacada só. Beevor, militar, é técnico demais na descrição dos movimentos, o que obriga o leitor a consultar os mapas reproduzidos nos volumes, o que garante avisualização mais realista e próxima dos fatos estudados. Quem se interessa pelo tema, Beevor é autor obrigatório.

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