Spiritu sanctus superveniet in te, et virtus Altissimi obumbrabit tibi.
Ideoque et quod nascetur ex te sanctum, vocabitur Fillius Dei. (Lucas, I: 35)[*]
Ajoelhas-te em contrição, bendita
entre as mulheres, pois eu trago a nova
da parte de Deus, de quem acredita
que fere e mata, mas também renova
e acalanta tua alma ferida:
és jovem para desceres à cova,
destino fatal, jornada da vida,
e para te entregares ao homem
que te acompanharás nesta lida.
Entregas-te antes aos que te acolhem
ou à voz que, presente, anuncia
o futuro que os homens escolhem
e negam: o aceitar ou a renúncia;
cabe a eles no amanhã esperado…
A ti não resta mais que a paciência
de aguardar o destino renovado
que irás gerar, contra a tua vontade,
obedecendo ao plano anunciado:
parindo da carne a tua metade
(já que o corpo não se faz em um dia)
para o retorno final da verdade…
De ti, pois, virá a luz que irradia
para se cumprir o que estava escrito:
aquarum apellavit — Maria!
Humilde és, de coração contrito,
para aceitares do Pai o desejo
de amor fecundo, calor irrestrito
pela humanidade, com sobejo,
para trazer a vida renovada
no momento supremo do ensejo…
Permanecerás no tempo calada,
pois a sombra sempre anda à espreita;
e partirás na terra desolada
pelo caminho da angústia desfeita.
A espera do homem se mantém
àquela que sua carne rejeita
e ele contigo partirá, também,
para o deserto sombrio e solitário
rumo à cidade indicada: Belém.
Ali enfrentarás todo um sudário
entre da súplica e do parto as dores
por um futuro — o sabes temerário —,
que te acompanhará por onde fores
(por vezes as alegrias das bênçãos;
por outras, toda aflição e os horrores)
para que todo e qualquer Homem vença
o mal primeiro ao qual foi atirado
e à terra, pacífico, então desça
e, por teu fruto, seja enfim elevado,
comprado, pelo sangue, do teu ventre,
de teu Filho, por todos derramado.
Permanecerás no assombro, entre
a certeza da escolha e aquela fria
dúvida no coração. Não te centres
ou na pura lembrança deste dia
ou na chama, atroz, que te devora
e te faz melancólica na alegria:
ora baixas os olhos como quem ora,
estrangulada a lágrima no peito,
ora ergues os punhos e imploras.
Desconheces do Senhor todo o jeito
ao lidar com a Sua criatura:
logo d’Ele, por quem tudo foi feito,
ardes em desejos de ruptura!
Em tua juventude não entendes
que trazes em ti Sua miniatura
cujo poder pelo mundo estendes
ainda que sem a plena consciência:
da vontade soberana te defendes
para não te entregares à ardência
que te consome e, chama, irradia,
mas que negas apenas por prudência…
Mal sabes como Ele te movia
ainda antes de saberes existir
à espera de que chegasse o dia
que então com Ele irias dividir
a origem plena do ser perfeito
e, com tua carne, nele imbuir
a essência que o faria sujeito
capaz de caminhar pela Terra
e corrigir, nela, todo o defeito…
Não chores. Pois é breve quem erra
e se espelha na obediência tua…
Clame, sofra, peça, entre em guerra
para anular a dor da carne nua
e atingir limites sempiternos
(sobre as águas o Espírito flutua)
face a face com o olhar doce, terno,
frente ao qual a angústia se desfaça
como diante de tudo o que é eterno…
Este o fruto de tua Santa Graça.
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[*] Lucas I:35: “O anjo respondeu: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus”.
[Imagem: Joe Speybrouck, The Annunciation, 1928]
Muito lindo, e que drama humano este foi!
A jovem Maria, como deve ter sentido medo, como sempre se perguntou o que seria dela e de seu Filho, fugindo para o Egito, procurando-O no templo, sempre se perguntando se AQUELA era a hora em que a espada de dor perpassaria seu coração, sempre imerso em presságios…
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Poema de Fábio Ulanin.
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